INTRODUÇÃO
A arte culinária é
um saber que permeia vários campos do conhecimento - como a literatura, a
história, a nutrição, a agricultura - e carrega consigo marcas indeléveis da
cultura de um povo, região, ou país. Os costumes alimentares de um grupo social
sempre têm suas particularidades, mesmo em relação a um contexto maior de que
faça parte; por exemplo, um estado ou país. Há muitas variáveis envolvidas
nessa diferenciação. Além da diversidade dos alimentos que a natureza de cada
região do globo permite produzir, há as inúmeras técnicas de preparação desses
alimentos.
Jean-François
Revel, em seu livro Um Banquete de Palavras[1], ao comentar sobre a origem da
cozinha e seus pratos, no capítulo 1, diz:
"A cozinha
precede de duas fontes: uma popular e a outra erudita, esta necessariamente
situada nas classes ricas de todas as épocas. Ao longo da história, há uma
cozinha camponesa (ou marinheira) e uma cozinha de corte; uma cozinha plebéia,
familiar, executada pela mãe de família - ou a humilde cozinheira doméstica - e
uma cozinha de profissionais que só os chefs fanáticos, inteiramente dedicados
à pesquisa, têm tempo e ciência para executar."
Pode-se dizer que
atualmente, com a globalização do conhecimento e principalmente com a rapidez e
facilidade de transmissão de informações, essas duas cozinhas estão, de certa
forma, se fundindo para criar algo novo. Isto não quer dizer que os "chefs
fanáticos", os ditos 'profissionais', e as mães de família que cozinham o
'trivial' todos os dias não mais existam, mas há uma culinária que está entre
esses dois extremos e que, associando as técnicas daquela ao saber ancestral
dessa, está criando uma nova cozinha, 'globalizada'. Esta cozinha só se tornou
possível com a internacionalização de ingredientes e receitas. Para que este
saber seja mundialmente partilhado e difundido, uma das coisas que se faz
necessária é a tradução - seja de receitas, seja de rótulos de produtos
importados etc. - aspecto enfocado no presente trabalho.
O que resolvemos
chamar aqui de "Culinária Caseira" envolve, portanto, processos,
ingredientes e utensílios que são comuns tanto à cozinha profissional quanto à
cozinha do dia-a-dia. Não tratamos de equipamentos da cozinha industrial, por
exemplo.
Os livros pesquisados vão desde folhetos, embalagens e rótulos de
produtos a dicionários técnicos especializados monolíngües. Devido ao forte
apelo cultural do assunto, pôde-se observar certa discrepância entre as fontes
- o que reafirma a necessidade de um trabalho como esse e evidencia a urgência
de se realizar uma pesquisa exaustivo em tal área, que possa servir de
referência para tradutores, cozinheiros - profissionais ou não - e consumidores
em geral desse segmento que foi sempre tão essencial, e que se mostra tão
culturalmente marcado quanto o próprio uso da língua.
Veja nos
Comentários maiores detalhes e justificativa de cada subtema pesquisado.
COMENTÁRIOS
Os comentários
tecidos a seguir dão continuidade à discussão sobre a necessidade da pesquisa
no tema contemplado por este trabalho e apresentam dificuldades e soluções
encontradas em cada um dos subtemas propostos:
1)Processos
Alvamar Helena C.
A. Lamparelli
Leila A. Torselli
2)Temperos
e condimentos
Elisa Duarte
Teixeira
3)Sementes,
grãos e castanhas
Lucília F. M. de
Vasconcelos
4)Equipamentos
João Bosco Nogueira Santos
1) Processos
"Terms of the trade tell you what
to do with the tools of the trade. (...) When you’re about to mix it up,
consider the possibilities: combining, beating, blending, churning, frothing,
whipping...once you settle on the verb, you’ll know the best tool for the
job.(...) Cutting, carving, grating, shredding, mashing, mincing and generally
changing the shape of food (...) Basting, blanching, broiling and grilling,
dredging, frying, sautéing, simmering, how the raw becomes the cooked.”
Cooking
Tools, Jeff Stone and Kim Gross, Thames and Hudson , London , 1996.
“Heat and its transmission are
fundamental to cookery (...). Cooking can be defined in a general way as the
transfer of energy from a heat source to the food. Our various cooking methods-
boiling, broiling, baking, frying and so on- achieve their various effects by
employing very different materials- water, air, oil- and by drawing on
different principles of heat transfer.
(...) There are three basic ways in
which heat can be transmitted:
-radiation,
represented by grilling (broiling), spit-roasting, barbecuing and in a
specialized form by microwave;
-conduction,
an important consideration when choosing cooking utensils; and
-convection,
through a medium such as water, air or oil, as in boiling, steaming and frying.
Radiant heat is a form of pure energy,
known as the infrared to physicists (...), radiant heat is energy travelling at
a wavelength which makes all molecules vibrate and so heat up. To cooks it
means a naked flame, glowing coals or a hot electrical element. Food is cooked
by being close enough to the source to absorb energy across the intervening
space.
In conduction the item to be heated is
placed in contact with a heat source and heat moves directly from one atom to
another. An example is and electric griddle heated by an integral element to
give a hot surface which in turn heats the molecules of, say, oatcakes placed
upon it. In practice, conduction is most important when considering cooking
utensils, as some of the various materials involved (e.g., copper) are much
better conductors than others (e.g., ceramics).
Convection requires a fluid medium and
can be divided according to this into moist heat (using water, stock, milk,
wine or other liquid) and dry heat (relying on air or oil).
When moist heat is used, the
temperature achieved can be no higher than boiling point (100 o C/ 212 oF, or
slightly less at high altitude), so browning reactions do not occur, and boiled
foods lack the intense flavour of grills; but it is an efficient method of
heating, as liquids provide a dense medium directly in contact with the food.
Baking using the conventional (western)
ovens relies on transmission of dry heat by convection, the air inside the oven
heating up from elements in the oven walls and circulating around the food. A
relatively high temperature can be achieved, giving a pleasant browneness and
flavour to many foods cooked this way.
In practice, all methods of cooking
involve combinations of heat transmission methods: for instance, the base of
the pan of water over a low gas flame is heated by the combination of
convection (through the air) and radiant heat; the heat is transmitted by conduction
through the fabric of the pan itself, and the water it contains heats by
convection.
There is a final point. One could say
that the objective of most acts of cooking is to raise the temperature of the
innermost part of the food being cooked to a certain level. The question then
arises: what is the relationship between distance to the innermost part and
time required for cooking? The answer is that the time required does not vary
in correct proportion to the distance but in proportion to the square of the
distance.”
The
Oxford
Companion to Food- Alan Davidson, Oxford
University Press, 1999.
“Custards can be temperamental; the
most important aspect of cooking is the heat. Custard thickens because the
proteins in the egg coagulate when heated. If heated too hot or too quickly,
custards will curdle, separate and start to scramble. Always cook custard
“slowly” over gentle heat.”
The
Cook’s Companion, Elizabeth Wolf Cohen, Apple Press, London , 1996.
“O creme fica
firme ou engrossa quando a proteína contida no ovo é parcialmente coagulada (ou
parcialmente cozida). Nesta fase, o ovo continua misturado ao líquido. Se a
mistura for cozida em excesso ou aquecida em temperatura muito alta, a proteína
endurece. Quando isto ocorre, o ovo separa-se do líquido, formando pequenos
grumos ou coalhos. Dizemos então que a mistura talhou.”
Dicionário Prático de Culinária, Bridget Jones,
São Paulo, Companhia Melhoramentos, 1996.
Estes 4 excertos
de fontes utilizadas no levantamento de termos de processos da culinária
caseira ilustram o tipo de informação com a qual nos deparamos, “and it all
boils down to”: um pouco de química, física e um eterno duelo com o fogo,
utensílios e interpretações dos diversos autores com relação aos métodos
utilizados.
Há muita discrepância de opiniões
quanto à temperatura exata utilizada em cada método, havendo referências em
“poach” por exemplo: “a verb which indicates a method of cooking which is
generally to be taken to be in a liquid which is simmering (see simmer), i.e,
just below boiling point, in the area of 90-96oC/195-205oF. But not all
authorities agree on this. Some would keep the temperature markedly below
boiling point- low enough to ensure that the surface of the liquid betrays no
sign of movement, not even ‘shivering’, others would permit some such motion
(if only to ensure that the temperature does not fall too low, which it can
easily do in the absence of any visible marker); others refer to ‘a gentle
boil’” Nesta fonte, The Oxford Companion to Cook , acrescenta-se que a falta de
uma definição aceita por todos de ‘poach’ não constitui um problema real, desde
que se aceite que não é o tipo de termo que pode ser definido exatamente (como
‘boil’ por exemplo), e que o leque de significados que a ele se agregaram
constitui um espectro muito útil, em que o cozinheiro com a ajuda de bom senso
e experiência pode se basear.
As equivalências
parecem quase sempre ser parciais, devido às diversas divergências entre os
autores com relação aos termos: em ‘escaldar’ por exemplo, algumas vezes
considera-se somente o processo de mergulhar em água fervente ou aquecer o
leite antes do ponto de fervura, outras vezes ele agrega o sentido de
‘branquear’ que é depois imergir em água fria para interromper o processo de
cozimento. ‘Refogar’, que parece ser um termo tão usual na culinária
brasileira, em inglês não encontra um equivalente que cubra todas as suas
arestas, (sauté) ‘saltear’, (stir-fry)‘fritar em pouco óleo’, (sweat)‘abafar’,
(stew) ensopar, cozinhar em fogo lento com tampa, (simmer) cozinhar em fogo
lento. Na verdade as possibilidades ocorrem dentro de um espectro que as fichas
acabam revelando e fornecendo os limites e contornos dentro dos quais as
definições se encaixam.
O campo 11, dos
unitermos, palavras-chave, fechava um círculo dentro do qual se inseriam as
idéias básicas do processo, seja referente ao fogo, tempo de cozimento, com ou
sem tampa, calor seco ou úmido, forma de preparo do alimento seja no campo
relacionado de cortes, misturas, mudanças na forma do alimento e tratamento
anterior ao cozimento.
Uma ficha completa
conteria o termo em contexto definitório e também explicativo, e o levantamento
em no mínimo duas fontes. O termo ‘to boil’, por exemplo, parece ilustrar bem o
tipo de pesquisa que foi feito.
Foi bastante
recompensador o trabalho de levantamento pois tínhamos fontes que nos pareciam
sólidas e complementares, embora a impressão de um glossário completo contendo
todos os contextos pareça inviável.
To
put it in a nutshell, this survey whetted our appetite to try and translate
based on sound sources and survey.
2)
Temperos e condimentos
Bota
castanha de caju um bocadinho mais
Pimenta
malagueta um bocadinho mais
Amendoim,
camarão, rala um coco, na hora de machucar
Sal
com gengibre e cebola, Yayá, na hora de temperar
Vatapá. Música de Dorival Caymmi
Há pouco mais de
um ano, eu estava morando em Boston e, na ceia de Ano Novo, como todos já
estávamos enfastiados do enorme peru que eu havia assado para o Natal, resolvi
fazer uma comida típica americana, para marcar o ar inusitado da primeira
comemoração da data longe das mesas fartas da família. Muito tinham me falado
da "Jambalaya", uma espécie de risoto/paella lá da região de New
Orleans e Louisiana. Fui às compras: o quiabo, ou "ladies' fingers"
para os americanos, só encontrei congelado (a receita sugeria "1 can
okra"); os chorizos (a receita especificava: "small Spanish garlic
sausages") foram uma dificuldade, acabei substituindo por uma sausage
qualquer. Os temperos, depois de consultas diversas e encontradas as possíveis
traduções, providenciei: o "thyme", a "cayenne" e a
"bay leaf", sugeridos pela receita. Muito bem. Qual não foi o meu
espanto ao chegar em casa e abrir a embalagem plástica que continha as
"bay leaves", esmagar uma das folhas e aspirar seu perfume! Eu nunca
tive grande simpatia por louro e estava pronta para fazer uma careta, então
aquele cheiro maravilhoso invadiu as minhas narinas. Fiquei encantada. É uma
grande surpresa quando se descobre que existem cheiros e sabores que você jamais
imaginara antes, e que não são combinação de nada com nada, é a natureza por si
só. Logo depois dessa epifania, uma revolta me invadiu: aquilo não era louro
"nem aqui nem na China".
Eu sempre fui uma
aficionada por cozinha, mas depois desse incidente minhas atenções se voltaram
mais criticamente para o assunto. Logo na seqüência desse acontecimento eu fiz
um curso de fabricação caseira de sabonetes, e tive problemas seríssimos com as
aulas, apostilas e livros que adquiri pois não sabia de que planta se tratavam
aquelas (como o "palm oil", base de qualquer sabonete natural e que
vim descobrir há pouco que é "óleo palmítico da semente - e não do fruto,
que existe também - do dendê" e nenhum dicionário bilíngüe pôde dirimir
minhas dúvidas.
Diante de tudo o que
me aconteceu, desde o primeiro dia em que comecei o curso de tradução tinha em
mente trabalhar com nomes de ervas, temperos e condimentos, não só por prezar a
arte culinária, mas por ter me dado conta da dificuldade que a tradução de tais
termos traz tanto para o tradutor profissional quanto para alguém que resolva
fazer uma "receita diferente" (que pesquisou na Internet ou copiou do
livro importado de um amigo) ou então está lendo um rótulo de sabonete ou mesmo
um outdoor .
Ainda na fase de
coleta de material para a pesquisa, tomei um susto ao ver um erro extremamente
grosseiro no site de uma empresa de renome no comércio de ervas e especiarias.
A Companhia das Ervas
(http://www.ciadaservas.com.br/condimentos.htm)
mantém um site bilíngüe com a descrição de seus produtos.
A Companhia das Ervas
(http://www.ciadaservas.com.br/condimentos.htm)
mantém um site bilíngüe com a descrição de seus produtos.
Portuguê
|
Inglês
|
açafrão - esp
açafrão -br (curcuma)
aipo pó
alecrim
alho em flocos e pó
aniz estrelado
baunilha
beterraba pó
bicarbonato de sódio
canela em pau e pó
cardamomo
cebola em flocos e pó
cebolinha flocos
cenoura pó
cerefólio
cheiro verde
coentro em pó
coentro em grãos
colorífico
cominho grãos e pó
cravo em flor e pó
curry
dill
endro
erva doce
ervas de provence
espinafre em pó
|
turmeric
spanish
saffron
celery
rosemary
garlic
flake and powder
star
anise
vanilla
pods
beet
powder
bicarbonate
of soda
cinnamon
cardamomo
onion
flake and powder
chives
flake
carrot
powder
chervil
parsley
coriander
powder
coriander
grains
urucum
cumin
seeds and grains
blackhead
flower and powder
curry
dill
endro
anise
provence herbs
spinach
|
Há vários
'deslizes' nesta tabela. Alguns aceitáveis, como traduzir "em flocos e em
pó" por "flakes and powder", ao invés de "flaked and
powdered", que, afinal, é uma convenção mais sutil e não incorre em
incompreensão; dois erros de digitação, ao traduzir "cardamomo" pelo
mesmo termo, quando deveria ser "cardamom" e o cominho "em grãos
e em pó" por "seeds and grains". Mas se fosse só isso, o esforço
não teria sido alvo de uma crítica tão severa de minha parte: eles citam
"endro" e "dill" como temperos distintos, quando não o são.
E mesmo que o fossem, não existe a palavra "endro" em inglês, que deve
ser traduzido por "fennel" ou "dill"; eles traduzem
"cheiro verde" por "parsley", e todos sabemos que cheiro
verde é, no mínimo, "salsa e cebolinha", que, por acaso, não é
"chives" em inglês - que significa "cebolinha-francesa",
aquela bem fininha. O colorífico, que é uma mistura de fubá com semente de
urucum, foi traduzido por "urucum", palavra que não existe em inglês,
onde é chamado de "annatto". Mas o inaceitável mesmo, e assustador, e
ao mesmo tempo estimulante para um pesquisador da terminologia, foi o erro crasso
cometido na tradução de "cravo" por "blackhead", que nada
mais é do que o cravo - "Derm. Afecção do folículo sebáceo; ponto
negro" (Aurélio). Está certo, são homônimos, mas será que o vocabulário do
qual foi retirada esta equivalência não poderia ter feito qualquer menção aos
outros "cravos" existentes? Para mim, este erro foi o mais
sintomático dos problemas da tradução atualmente, quando qualquer um que
estudou inglês até o intermediate, e morou mais de um mês no exterior, sente-se
apto para fazer uma tradução.
Os problemas que
encontrei foram muitos. Eu me norteei pelo nome científico para encontrar as
equivalências e, ao que tudo indica, os especialistas de grandes dicionários
como o Aurélio e o Merriam-Webster não partilham do mesmo conhecimento de
botânica, pelo menos no que se refere a temperos e condimentos. A
"raiz-forte", por exemplo, um tempero que foi recentemente incluído
na lista de temperos nacionais, foi uma das mais discrepantes. O Aurélio dá
como nome científico Nasturtium amoracea, o Merrian-Webster dá Armoracia lapathifolia. No Caldas Aulete não
consta o verbete raiz-forte, mas há um "rábano-de-cavalo" (do inglês
Horseradish?) cuja definição é apenas "s.m. planta da família das
crucíferas" (sic) e um "rábano-bastardo: s.m. planta crucífera
Cochlearia armoracia, outrossim rábano-picante, rábano-rústico,
rábano-silvestre-maior e saramago-maior". O Pequeno Dicionário de
Gastronomia de Maria Lúcia Gomensoro (Cf. fontes bibliográficas) também afirma
que o nome científico da raiz-forte é Cochlearia armoracia, como o
rábano-bastardo de Caldas Aulete. O dicionário Oxford Companion to Food aponta
Armoracia rusticana, bem como a enciclopédia Funk and Wagnalls. Bom, até agora
duas coincidências, mas divergentes entre si. Insatisfeita e confusa, fui atrás
de outras fontes, como o dicionário de francês Hachette, que dá para
"raifort" o mesmo nome científico que Caldas Aulete e Gomensoro,
Cochlearia armoracia. O alemão Wahrig Deutsches Wörterbuch diz que o nome
científico de "Meerretich" é Armoracia Lapathifolia (rusticana) -
parece que as coisas ficam um pouco mais claras, ou seria um pouco mais
obscuras? Ao que tudo indica, o nome científico também tem suas variações... O
que fazer? Parti do princípio de que o nome científico é um recurso disponível
em pouquíssimas áreas do conhecimento e que, não havendo este recurso, é pela
comparação entre as definições que se pode deduzir que um termo X numa dada
língua corresponde ao termo Y de uma outra língua. É óbvio que na culinária,
principalmente nos temperos, este é um recurso arriscado, uma vez que indianos,
por exemplo, usam canela no cozimento de carnes e legumes enquanto que
brasileiros, tradicionalmente, usam-na mais em iguarias doces. Mas decidi, por
fim, estabelecer a equivalência entre "raiz-forte" e "horseradish",
já que, ao que tudo indica, a única discrepância entre as definições
encontradas é propriamente o nome científico.
Um outro termo que
causou bastante preocupação foi “manjericão”, e que por falta de informações,
não pôde ser solucionado. Na revista Bons Fluidos, publicação especial da
revista Casa Cláudia[2], há uma matéria
chamada "Do manjericão ao Alecrim: o canteiro da
prosperidade", cuja foto de abertura ocupa duas páginas exibindo fotos de
nada menos do que sete manjericões diferentes, a saber: manjericão-médio;
manjericão-azulado; manjericão-rosa; manjericão-roxo; manjericão-italiano;
manjericão-normal; manjericão-mínimo. Infelizmente a informação sobre a erva,
que é do meu interesse no momento, parou por aí para ceder espaço aos poderes
místicos e aos bons fluídos que dela emanam. No Aurélio apenas dois manjericões
são citados, e nenhum deles consta da lista acima arrolada; há também a
alfavaca, ou quioiô, que tem o mesmo nome científico da família do manjericão,
Ocimum. No Oxford Companion to Food há inúmeros manjericões discriminados por
seu nome científico, porém não é apresentado nenhum nome popular que
possibilitasse a equivalência com os de língua portuguesa. Esta foi uma
deficiência que ficou registrada no trabalho e que só poderia ser corrigida com
uma pesquisa mais completa em livros de botânica especializados, dos quais não
dispunha quando da execução deste trabalho.
Só para mencionar,
outros temas que causaram grande confusão foram as pimentas - família Capsicum
e Xylopia, a família das mentas (hortelãs, manjerona, orégano - especialmente
no inglês), salsa e aparentados (o caso “cheiro verde” ficou inconcluso) e a
família Alium em geral - cebolas, (cebolinhas e pequenas cebolas). Fiquei
contente de descobrir, na última hora, que o que andam chamando de
"erva-cidreira" ("lemon grass", em inglês) em receitas
tailandesas, chama-se, na verdade,
"citronela" em português, e aparentemente ninguém conhece seu
uso culinário ainda, somente como repelente de mosquitos e aromatizador de
ambientes. Não posso deixar de mencionar também a dificuldade de lidar com os
inúmeros sinônimos que alguns termos possuíam, por exemplo o alecrim e o cariz,
no português, coriander e scallion em inglês, e melissa em ambas as línguas.
A despeito das
dificuldades e deficiências, foi um trabalho muito prazeroso e certamente
valioso para quem quer que se interesse ou trabalhe com o assunto.
3)
Sementes, grãos e castanhas
Levantar dados
para elaborar este trabalho foi um exercício tanto gratificante como agradável.
Valeu a pena a pequena experiência por
me dar uma noção de como funciona, na prática, a formação e organização de um
banco de dados. O tema se torna ainda mais atual quando pensamos em
globalização, haja vista um pequeno artigo publicado em (09/10/00) na revista
“Época”. Como o próprio artigo cita, muitas multinacionais já têm hoje um
terminólogo próprio, incumbido de montar um glossário para facilitar a
comunicação na empresa.
Entretanto, na
prática, quando saí em campo, encontrei as dificuldades e dúvidas inerentes a
todo trabalho de pesquisa. Gostaria de mencionar algumas delas.
Para certificar-me
de que o termo encontrado tinha realmente equivalência nas duas línguas, achei
que um bom recurso seria apelar para o nome científico, já que pesquisava nomes
de plantas cujas sementes fossem comestíveis, porém as coincidências nem sempre
ocorriam. Acho que isto se deve às inúmeras subespécies que uma mesma planta
tem, e muitas vezes, quando o dicionário menciona o nome científico de uma
planta, ele acaba por utilizar-se do nome do gênero e da subespécie, omitindo
assim o da família, enquanto um outro dicionário opta por omitir o justamente o
nome da subespécie. Resolvi então ater-me um pouco mais na contextualização e
tentar encontrar os traços semelhantes que pudessem conduzir a uma
equivalência, fosse ela total ou parcial.
Outra dúvida foi
quanto ao uso efetivo dos termos nas duas línguas. Alguns termos, extremamente
recorrentes em inglês, como “millet” ou “sorghum”, certamente não ocorrem com a
mesma freqüência em português, mas como afirmar isto com base somente no
material de consulta?
As fontes de
pesquisa, principalmente em português, nem sempre me deixaram confiante. Como
procurava contextos explicativos ou definitórios, tive que recorrer a fontes
bem específicas e atuais, como embalagens de produtos ou sites dos fabricantes
dos mesmos, em que naturalmente tendem a maximizar as definições para
supervalorizar os produtos, sem terem uma especificidade técnica. Quanto aos
outros termos, fiz largo uso de enciclopédias e, embora o conteúdo seja
satisfatório, é material traduzido e não sei até que ponto foi adaptado para o
uso da língua portuguesa. Nossos dicionários são sintéticos nas definições, não
trazem exemplos e muitas vezes não esclarecem o suficiente, pois definir
“castanha” como “fruto da castanheira” é realmente de muito pouca ajuda,
principalmente quando estamos em busca de uma definição da planta voltada para
seu uso culinário.
Outra dificuldade
encontrada foi o uso das fichas. O preenchimento de alguns campos não ficou
muito claro com a leitura do livro ou as aulas, principalmente quando se
tratava de um termo problemático e com tantas acepções, como "noz",
por exemplo.
Gostaria de ter me
aprofundado mais nos derivados dos cereais, como por exemplo os inúmeros
produtos provenientes do trigo. Mas nenhum dicionário ou enciclopédia traz este
tipo de informação, e o melhor recurso seria consultar as embalagens dos
mesmos, mas como encontrar embalagens equivalentes em inglês?
Há muito ainda
para ser feito nesta área da culinária, e especificamente com relação aos
grãos, sementes e castanhas - que com o recente assunto dos transgênicos tem
ganhado mais e mais espaço na mídia - mas eu espero que esta minha pequena
colaboração acrescente e desperte em outros o interesse para aprofundar e
esmiuçar o tema.
4) Utensílios
“THE MORE YOU KNOW, THE LESS YOU
NEED"
(Australian Aboriginal Saying)
“Chefs aren’t always being disingenuous
when they say all they need to cook are a wooden spoon, a Chef’s knife and a
sauté pan. Start by buying only what you need for cooking what you like to eat.
As you learn more, buy the more exotic – as long as it really makes it easier.”
(Store, Jeff and Gross, Kim. Cooking
Tools. Thames and Hudson London,1996)
"Kitchen Basics – A gimmick might be best defined as an unused gadget. As
kitchen grows smaller tools proliferate; vision of insecure cooks dance in
marketer’s heads. You don’t need a pitter unless pitting olives or making
cherry “clafoutis” is an everyday thing in your household."
Dada a grande
variedade de equipamentos e utensílios para o uso culinário, e levando em conta
a opinião de um grande número de pessoas aficionadas pela arte culinária,
resolveu-se enfatizar alguns utensílios que facilitam a vida dos aprendizes de
“Chef de Cuisine”, sem entrar no mérito daqueles que, embora sejam peças
essenciais para algumas pessoas - tais como batedeiras, liquidificadores,
centrífugas, mixers, processadores etc. - são para outros objetos difíceis de
manusear, limpar e um problema na hora de guardar. Além de tudo variam muito de
uma marca ou modelo para outro.
A escolha foi
norteada pela necessidade de apresentarmos alguns utensílios que julgamos
essenciais e, ao mesmo tempo, sugerir outros tantos que possam ser utilizados para
a elaboração de alguns pratos que requeiram procedimentos um pouco
diferenciados do processo básico.
Uma das fontes
mais promissoras da pesquisa foi uma visita à Loja Suxxar, onde a vendedora,
experiente no assunto, foi entrevistada e forneceu várias informações quanto ao
uso dos diversos utensílios na culinária semi-profissional.
1 Pesquisadores
(PESQTERM)
EDUT
- Elisa Duarte Teixeira
BNOG
- João Bosco Nogueira Santos
LATO
- Leila Arroyo Torselli
AHAL
- Alvamar Helena Campos Andrade Lamparelli
LUCC
- Lucília Ferreira Mendes de Vasconcelos
2 Fontes
(FONSTERM)
ABCC
- Culinária com Arno e Arte
AHDI - America
Heritage Dictionary
BECO - Betty
Crocker's New Choices for Pasta, Grains and - Beans
CCOM - The
Cook's Companion
COBE - Le
Cordon Bleu
COFO - The Oxford Companion to Food
COTO - Cooking
Tools
CTLG
- A Magia do Sabor
CZMI
Cozinhar com Microondas
DALP
- Dicionário Aurélio Eletrônico Século XXI
DCAU
- Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa
DPCU
- Dicionário Prático de Culinária
ENCA - Encarta
Encyclopedia 2000
FRGO - The
Frugal Gourmet Whole Family Cookbook
FRUG
- Frugal Gourmet e a Cozinha Italiana
FWEN
- Funk and Wagnalls Encyclopedia
LARO
- Grande Enciclopédia Larousse Cultural
MAET
- Mãe Terra - Produtos Integrais
MWBD -
Merriam-Webster's Tenth Collegiate Dictionary
OXFO - The New Oxford Dictionary of
English
PDGA
- Pequeno Dicionário de Gastronomia
PRIN
- Pratos Inesquecíveis na Opinião de 3 Maridos
RNET
- Ervas e Temperos
SUXX
- Loja Suxxar
UDSC
- Doces Segredos e Carinhos
YOKI
- Yoki Alimentos
3 Arquivos
(ARQTERM)
TempPOR
- EDUT - 20/10/2000 - Culinária Caseira - Temperos e Condimentos Português
TempING
- EDUT - 20/10/2000 - Culinária Caseira - Temperos e condimentos Inglês
UtenPOR
- BNOG - 19/10/2000 - Culinária Caseira - Utensílios Português
UtenING
- BNOG - 19/10/2000 - Culinária Caseira - Utensílios Inglês
ProcPOR
- AHAL - LATO - 14/10/2000 - Culinária Caseira - Processos Português
ProcING
- AHAL - LATO - 14/10/2000 - Culinária Caseira - Processos Inglês
GraoPOR
- LUCC - 20/10/2000 - Culinária Caseira - Sementes, grãos e castanhas Português
GraoING
- LUCC - 20/10/2000 - Culinária Caseira - Sementes, grãos e castanhas Inglês
[1] Revel,
Jean-François. Um banquete de palavras: uma história da sensibilidade
gastronômica. Trad: Paulo Neves. Companhia das Letras. São Paulo, 1996.
[2] Bons Fluidos.
Casa Cláudia Especial. Ed. Abril. São Paulo, maio/junho 1999.